Querida Violeta, como tens passado? Por aqui os dias continuam os mesmos, a aldeia continua a mesma, tal como a deixaste. As pessoas parecem nem ter reparado na tua ausência. A vida delas é monótona comparado ao que a tua é agora. Continuam a reunir-se no largo da igreja para a missa das sete. E o sino toca. Toca como se nunca cá estivesses estado, com a simples função de nos lembrar que estamos a ficar cada vez mais velhos, a cada hora que passa.
Esta manhã choveu. Pergunto-me sobre o estado do tempo por aí... Choveu como no dia em que te foste embora. Com a excepção que não nevou. Porque já não está tempo para isso. Lembro-me perfeitamente do que tinhas vestido naquele dia. Estavas com um vestido branco - tal como a neve que não parava de cair - e usavas também as tuas botas vermelhas - aquelas velhas que encontrámos um dia no lixo da D. Amélia e que um dia mais tarde, ela te culpou por roubo, dizendo que foste a casa dela e lhe partiste o vidro da sala para as tirares do armário. Mal sabia ela que tinha sido o nosso amigo Pedro, ao tentar entrar no quarto da filha da D. Amélia. Nessa altura eles estavam a namorar às escondidas. Éramos as únicas que sabiam disso, não sei se te lembras...
No dia em que partiste, gastámos seis rolos fotográficos. Tu ficaste com três e eu com os outros três. Ainda os tenho, na minha gaveta das memórias. Acho que foi a maneira mais justa de os dividir. Apesar de tu teres ficado com os melhores. Gostava de ter dito muita coisa, antes de teres tomado a decisão que tomaste. Não sei se foi melhor assim, mas deixaste-me sozinha. Não me chames de egoísta ou presunçosa, mas tu, como minha melhor amiga que eras - e ainda és -, podias não ter feito o que fizeste. Vejo a tua mãe, muito raramente, mas quando a vejo, está sempre de preto. Tal como a vi no teu funeral. Não sei se sabes, mas guardei o teu revólver na minha gaveta, em cima das nossas fotografias. Ponderei uma estadia eterna contigo, onde quer que estejas. Vou-me guardar para depois da missa. A das sete. Guarda-me um lugar por aí. Até já.

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